sábado, 30 de janeiro de 2010

Artesanato da Bahia

Mulheres de Carvão

Fincada no Recôncavo Baiano, a cidade de Cachoeira fica à margem do Rio Paraguaçu, a 110 km de Salvador. Marcada pelo casario colonial que preenche várias de suas ruas, a cidade é um marco da história brasileira e particularmente do seu Estado.
Tombada pela UNESCO como Monumento Nacional, Cachoeira é sinônimo de tradição, feitos heróicos e da exuberante arquitetura do século XVIII. Sua origem está intimamente ligada ao ciclo da cana-de-açucar, ao desenvolvimento da indústria do fumo, dos charutos e ao cultivo do dendê. Entre as notáveis obras de valor histórico da cidade, nas tradições religiosas e folclóricas é que a principal característica da região. Cachoeira é conhecida internacionalmente pela Festa da Boa Morte, um exemplo da influência da cultura africana e miscigenação com as tradições católicas.
A Festa de Nossa Senhora da Boa Morte é organizada pela Irmandade de mulheres negras de Cachoeira, com mais de 40 anos, descendentes de escravas africanas alforriadas. A festa, que começa no início de agosto faz uma série de ritos ancestrais, acrescidos de missas e procissões católicas. Essa festa apresenta outra característica da cidade de brancos e negros que têm na afinidade com o candomblé e as crenças católicas a principal demonstração de sua mistura. É nesse contexto que Mister trabalha.
É impossível não identificar a influência africana no seu trabalho, que consiste em esculpir mulheres em carvão. "Trabalhei na construção civil por 17 anos e já gostava de pintar"–, comenta Mister. "Um dia tirei férias pela primeira vez. Fiquei 120 dias parado e conheci o pessoal de teatro, de poesia, da ecologia. Não me acertei mais com a construção civil. Voltei, mas não agüentava mais. Não era mais meu lugar. E precisava estabelecer um outro diálogo com as pessoas que conheci. Ao mesmo tempo, havia muitas queimadas na região. O carvão, o pau queimando, me fascinavam. Pela cor, pela textura da madeira queimada e havia o conflito do fogo desnecessário. Vi no carvão um instrumento para iniciar o diálogo com as pessoas, com as usinas. A mulher é uma figura universal, fonte de vida, mola propulsora. Foi assim que juntei as duas coisas. Às vezes pego uma madeira queimada, pode ser jacarandá, louro, canela, jaqueira, maçaranduba, oti, sucupira, jenipapo, e identificonela a forma feminina. Começo a tirar aqui e ali, chegando a um miolo ainda verde. Aí eu faço uma nova queima em casa mesmo, o suficiente para brotar o carvão, que depois de esculpido, é tratado com um mistura minha.
A proposta é provocar a reflexão sobre os ataques à natureza. Essa é a grande questão dos próximos anos." É a partir desse pensamento e de peças de carvão que Mister devolve à abstração mulheres indescritíveis, longilíneas, barrigudas, amarradas com toscos pedaços de arame, belas, sensuais. Todas do negro mais negro do carvão.
















Clebar Papa/Fotos: João Fávero
arteemter@gmail.com

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